quinta-feira, 5 de maio de 2011

Reencontro

Beber, comer, falar e fumar. Minha oralidade precisa de tudo isso e às vezes a parcimônia é a única coisa que não acompanha esse quarteto.

Certa vez, meu amigo fiel, companheiro de jornada e roommate tinha acabado de chegar à Paulicéia e marcamos um café para fazermos as atualizações. Normalmente marcaria o encontro num boteco, mas tinha 1 ano que não nos víamos e como a vida das pessoas costuma dar loopings, era melhor não arriscar. Nos entregamos à comida light, ao papo leve e aos sucos desintoxicantes.

Amigos exemplares em um lugar exemplar, claro que isso não ia prestar. Papo vai, papo vem e surge a pergunta:
- Você gosta de Dry?
- Amo!
- Tem mais algum compromisso hoje?
- Não.
- Quer conhecer o melhor Dry de SP?!
Antes de responder, ele já estava com a mão esticada para pedir a conta ao garçom. Gente decidida é outra coisa!

Lá fomos nós rumo ao Dry. Ele fica numa esquina muito charmosa do Jardins e com um nome desses, não preciso explicar qual é a especialidade da casa.
Lá dentro a decoração é muito bacana e simples: o bar fica logo na entrada, sofás e mesas, lustres vintage, uma parede inteira com a bola 8 de sinuca e uma seleção musical de dar inveja. Amy Winehouse, Ray Charles, The Police, Roberto Carlos, John Pizzarelli, Luiz Melodia são alguns dos amigos que nos fizeram companhia. A intensidade da luz e do som vai se modificando com o passar das horas e de acordo com a animação dos clientes.

As porções são pequenas, as opções de petiscos não são as melhores, mas é tudo muito bem preparado. O protagonista da noite, o Dry Martini é espetacular. A proporção dos ingredientes, a temperatura, a azeitona, tudo no ponto certo e não tenha vergonha de pedir uma porção inteira de azeitona para acompanhar, eles estão acostumados com esse tipo de capricho. Depois de todo esse clima, o papo acelerou. Contamos histórias do arco da velha, rimos muito, falamos mal e bem das pessoas. Lavamos a alma, enfiamos o pé na jaca, derrubamos o pau da barraca e nos tornamos melhores amigos a partir daquele reencontro.

O Gustavo me apelidou de bonecão de posto, o ser que me transformo depois de um certo grau etílico e chegamos à seguinte conclusão: Dry Martini – ao terceiro chegarás do quinto não passarás. Amém!



Dados da Dica:
Dry
Rua Padre João Manuel, 700.
Jardins - São Paulo/SP
11 3729 6653
http://www.drybar.com.br/

terça-feira, 29 de março de 2011

O Silêncio que grita

Sou viciada em filmes. Os bons, alguns ruins e vários que não me importo em assistir muitas vezes. Como gosto de dar dicas, indico filmes para algumas pessoas e por fazer, mesmo que sem querer, análise de perfis, costumo indicar filmes para cada estilo de pessoa e modéstia à parte, o acerto é mais corriqueiro que o erro. Como aqui é um espaço democrático, vou descrever um filme que tenho no topo da minha lista e se encaixar no seu perfil, lhe desejo uma boa sessão.

O nome do filme é A vida secreta das palavras. Dirigido por Isabel Coixet e como atores principais, Sarah Polley e Tim Robbins. Foi lançado em 2005 e me parece que a diretora possui filmes muito bons em seu currículo.

É um filme que trata das dores do passado, das lacunas que a vida deixa na gente e do significado tão profundo do silêncio. O tempo é lento, os diálogos são escassos e o que povoa o filme são os símbolos, os sintomas e os detalhes.

É uma história de uma mulher de 30 anos, solitária, estranha e triste, que ao ser forçada a tirar férias, acaba indo para uma plataforma petrolífera ser enfermeira de um homem que acabara de sofrer um acidente por lá. Ela, funcionária de uma indústria têxtil, misteriosa, obcessivamente impecável e ele, um acidentado, temporariamente cego e com o corpo cheio de queimaduras, formam o núcleo principal do filme, que se passa, na maior parte do tempo, nessa plataforma, no meio do oceano.

Inicialmente, a enfermeira (Hanna/Cora) se mantém fechada, dedicada apenas à sua função, mas Josef, o acidentado, provoca diariamente uma conversa mais profunda. Aos poucos os dois falam das suas vidas, expõe as suas dores e tentam ressignificar a sua história. Alguns detalhes são importantes; ela é surda, usa aparelho auditivo e quando pretende ficar em silêncio, tira o aparelho para imergir em seu mundo. Ele, cego por causa do acidente, aguça seus sentidos auditivos e olfativos. É uma provocação à percepção das vozes que emitimos sem falar. Ela o observa, cuida, toca. Ele a analisa pelo cheiro e pelas poucas palavras que saem meio sem querer. Duas pessoas frágeis, imbuídas das questões do passado, que se aproximam pela generosidade. O cuidado e o cuidador, ambos desenvolvendo os seus papéis e muitas vezes, o invertendo.

Os outros personagens vão mostrando como sobreviver a essa condição de solidão e silêncio. É um filme que mostra o ser humano no extremo do ócio, o que somos capazes de fazer para nos manter ocupados e como nos esquivamos do auto enfrentamento.

Na minha opinão, não existe um serzinho nesse mundo que não sofre com as suas próprias questões, que não procura uma saída pro nó guardado no peito. O objetivo do filme é principalmente esse, mostrar como as palavras não ditas são as mais violentas e como elas nos assombram até resolvermos pagar as contas com nós mesmos.

terça-feira, 15 de março de 2011

A melhor

Eu tinha 16 anos, minha irmã 23. Ela estava naquela fase emburrada da solteirice quando todos os lugares ficam iguais, as pessoas são sempre as mesmas e tudo que uma mulher quer nesse momento é um namorado que lhe tire da mesmice.

A coisa realmente não estava nada boa, pois a minha irmã veio pedir ajuda amorosa para uma adolescente 7 anos mais nova que ela.
A pergunta foi: Di, você não conhece algum cara bacana? Alguém que poderia ser meu namorado? Seria muito improvável ter um coleguinha de sala ou até mesmo de colégio que se encaixasse no perfil. Eu sou do tipo que adora encaixar perfis. Penso nas características não óbvias, leio nas entrelinhas e tento descobrir os simples detalhes que diferem uma pessoa da outra e uso isso pra presentear, juntar amigos, escolher e indicar lugares.

Por essa mania de analisar as pessoas e fazer alguns cruzamentos de dados que cheguei à fantástica solução: meus professores! Seres intelectualmente abastados, o que soma pontos, idade compatível e que estavam ali, na minha frente, à disposição para uma análise completa dos seus perfis. Bingo! 2 bons resultados. Um professor de biologia e outro de literatura. O de biologia tinha um perfil bonitão e garanhão; e o de literatura era juntado e tinha um filho. Não eram resultados muito promissores, mas eu estava longe de desistir e continuei de butuca, observando os possíveis candidatos. Por intuição e também por real constatação, o biólogo foi excluído do páreo e eu já estava cismada com tamanha semelhança do moço dos livros e minha irmã.

Passados alguns meses, o professor de literatura se separou e imediatamente iniciei a primeira etapa de um namoro às escuras. Espalhei a notícia entre as amigas e durante um bom tempo falamos da minha irmã pra ele e dele pra ela. Eu levava fotos dela, contava pra ele os lugares que ela gostava de frequentar, soltava alguns dados sobre o gosto musical e algumas características da família. Do outro lado eu contava como ele dava aula, seu jeito, seus pontos de vista e aos poucos os dois iam nutrindo essa possível relação com pitadas de fatos reais e ingredientes da imaginação. Quer lugar mais fértil pro amor crescer que um pouco de realidade e de ilusão?

Algum tempo depois, no meio de uma prova, entre o sussurro e a dúvida do ato, ele pediu o telefone lá de casa.
Espalhei a notícia e ficamos, as amigas, minha irmã e eu, esperando ansiosamente pelo telefonema.
- Alô?
- Eu gostaria de falar com a... (Reconheci a voz e interrompi)
- Fessor? Sou eu! Quer falar com a minha irmã? Vou chamar!
Entreguei o telefone e fiquei de fora do quarto esperando notícias. Ele tinha comprado ingressos de uma peça que ela já estava doida pra ver. O ponta pé inicial tinha sido um gol de placa!

Como um encontro à moda antiga, os dois só conversaram e iniciaram os próprios processos de cruzamento de dados. Ela dizia que ele não fazia muito seu tipo, apesar de já estar encantada pelo jeitinho do professor.

Depois do encontro, eu tentava ser mais discreta em sala de aula, afinal, rompantes afoitos de 15 adolescentes não é nada romântico e muito menos encorajador. Nesse momento, o cupido saiu de campo e quem decidiu a jogada foi o mocinho da história.

Foi numa festa de formatura do colégio que o “fessor” levou minha irmã como acompanhante e lá, depois de alguns goles, eles ficaram pela primeira vez. Nesse momento já não dependia mais de dados, perfis, histórias ou fantasias. Os jogadores já estavam em campo e o jeito era assistir a partida de longe. Eu saí de cena total, fui fazer intercâmbio. Eles me escreveram dizendo como estavam felizes juntos e agradeceram o empurrãozinho. Depois de 4 anos, eles se casaram.

No dia do casamento, recebi uma cartinha dos dois, dizendo que eu, a Diquinha, tinha dado a eles a melhor e mais valiosa Dica. Fui madrinha, entrei na igreja com as alianças e até hoje, só de me lembrar daquela cena, fico emocionada.

Tenho muito orgulho da família que eu ajudei a formar e naquele dia, quando o cruzamento dos perfis aconteceu, eu sentia como se não precisasse ver o desfecho. Eu tinha certeza absoluta que um tinha sido feito pro outro.


quinta-feira, 3 de março de 2011

Mocado

Quando eu cheguei em Sampa, parecia uma menina do interior. Ficava deslumbrada com o movimento das pessoas e as possíveis e impossíveis descobertas. Cada lugar diferente que eu conhecia, achava o melhor na sua categoria. A cada nova experiência surgia uma sensação ávida, voraz e viciante. Eu queria conhecer cada lugarzinho, cada beco, cada restaurante com gastronomia experimental e freqüentadores pseudo-intelectuais. Eu queria ver o que era estranho, o que de fato caracterizava a diversidade da paulicéia e a fazia tão diferente da minha Belo Horizonte.

Algumas surpresas vieram, claro, mas nada encantou tanto o meu olhar quanto uma baladinha, meio bar, nos fundos de um estacionamento, numa rua super residencial do bairro Pinheiros. É um lugar que não tem placa, não há como você passar na rua, ver o movimento e se deixar levar pela curiosidade. Só quem já foi ou pelo menos tem o mapa da mina muito bem desenhado, consegue adentrar o Jazz nos Fundos.

Um balcãozinho na porta, o cara pergunta meu nome, anota na ficha de consumo e pronto, lá estou eu num corredor escuro, cheio de obra de arte contemporânea e algumas portas e móveis antigos também expostos. Depois outra porta que dá num corredor estreito e também escuro, com mesas improvisadas em tocos de madeira, cadeirinhas e baquinhos. Tudo parecendo propositalmente acidental. Seguindo esse corredor, está o palco e logo antes de alcançá-lo, vi fileiras de carteiras de madeira que me lembraram o meu colégio, Pitágoras, que em suas salas velhas, escondia essas carteiras de antigamente. No palco um quarteto de Jazz tocando absurdamente bem e no fundo, um lugar com o pé direito mais alto, talvez até descoberto, umas plantas, banheiros e um barzinho improvisado com uns canapés sendo preparados na hora e um freezer com cara de pouca cerveja. Estava lotado e no dia eu vi de um tudo lá dentro. Um representante de cada tribo e vários outros que não dava para categorizar.

O lugar fecha cedo para não incomodar os vizinhos. Ouvi dizer que ali era ou é um ateliê de um artista plástico, apaixonado por jazz, que vez ou outra chamava os amigos para tocar boa música e bebericar. Com o tempo os amigos chamaram outros amigos, que chamaram mais pessoas. A coisa cresceu e pra mim ainda é a melhor definição de São Paulo: pessoas misturadas num lugar que já não as comporta de forma tão confortável, diverso, caótico, improvisado e delicioso.


Dados da Dica:
Jazz Nos Fundos
Rua João Moura, 1076.
Pinheiros - São Paulo/SP
11 3083 5975
http://jazznosfundos.net/

quarta-feira, 2 de março de 2011

Um lugar no mundo

Pensa numa ilha deserta, porém fértil.
Plantas, frutas, peixes, aves e toda aquela sensação de ter sido a primeira pessoa a descobrir um lugar tão fantástico. Bingo! Foi mais ou menos assim que eu me senti nesse restaurante, na periferia de Salvador, chamado Paraíso Tropical.
Eu não era a primeira pessoa a descobrir o lugar, mas me sentia como tal, afinal, o anfitrião e chefe Beto Pimentel nos tratou como se fôssemos os primeiros a provar a sua deliciosa gastronomia.
Tem moqueca bahiana, arroz com nome pornográfico, pimentas, azeites, tudo ali, fesquinho, acabado de tirar do pé. O chefe é um conhecedor profundo da natureza, estudou agronomia, depois culinária e assim foi juntando lé com cré.
Nosso maior pecado foi pedir um pouco de tudo e no final virou um samba do criolo doido, mas eu que não sou boba, dava uma golada na água a cada chegada de um novo prato ou petisco para limpar as papilas e continuar a festa.
O chefe é conversado e para cada prato ou ingrediente, ele conta uma história.
Ali viajei nos sabores e nos significados.
Era como se fosse a Disney da gastronomia. A história e depois a experiência, ou vice-versa, ou tudo junto. Não importa.
O que importa é que as descrições detalhadas de como aquilo tudo nasceu fez a comida parecer ainda mais gostosa. Acho que a companhia do chefe e a sua arte não vivem desvinculadas e por isso são tão geniais. Um lugar achado nesse nosso mundão e inesquecível.
Os pratos na noite foram: Salada Duka, Siri Mole, Pititinga, Arroz de Nabucetê, Dandá de Camarão, Moqueca do Chefe e o Tropical Misto. No meio disso tudo tinha um vatapá, algumas farinhas e farofas e várias pimentas.
Os ganhadores da noite: Salada Duka, Siri Mole e Moqueca do Chefe.
Tudo isso acompanhado de muitas caipis de biri biri e várias mordidinhas na fruta do macaco chamada Achachairu.


Esse é o Dandá de Camarão, saca só o tamanho do bichinho chafurdado nesse creme amarelo brilhoso!


E essa é a moqueca. Todos os "pertences" são fervidos na água de coco, com biri biri (uma frutinha bem cítrica) e depois acrescenta um dendê home made. Uma coisa de boa!

Dados da Dica:
Paraíso Tropical
Rua Edgar Loureiro, 98-B.
Resgate - Cabula - Salvador/BA
71 3384-7464
http://www.restauranteparaisotropical.com.br/